segunda-feira, 23 de março de 2009

Educação a distância, abertura do mercado educacional ao capital estrangeiro e ampliação espúria da educação superior: uma crítica à política de EAD

Reproduzimos abaixo a matéria publicaca na página do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) sobre Educação à Distância.
Apesar de ter sido publicado em 2005, segue atual em seu conteúdo.

A centralidade da educação a distância - EAD nas políticas do MEC é cada vez mais evidente. Aos poucos, está sendo configurado um quadro que terá trágicas conseqüências para a educação brasileira, caso não seja revertido de modo radical. Com efeito, a proposta de criação pelo MEC da Universidade Aberta do Brasil, uma instituição de direito privado e não-gratuita, a minuta de decreto que regulamenta o art. 80 da LDB e o disposto na última versão do anteprojeto de lei que dispõe sobre a educação superior antecipam a aplicação dos termos da OMC reclamados pelos EUA, Inglaterra e Austrália mesmo sem a efetivação desse Tratado de Livre Comércio (TLC) no escopo do Acordo Geral de Comércio de Serviços (AGCS). Em outros termos, com essas medidas, o Brasil abre seu mercado ao comércio transfronteiriço de educação sem contar nem mesmo com as contrapartidas usuais nos Tratados de Livre Comércio: é uma abertura unilateral aos cyber-rentistas que estão ávidos pelo acesso ao expressivo mercado educacional brasileiro que, somente na educação superior, já movimenta cerca de R$ 18 bilhões/ano.

A chamada terceira versão do anteprojeto de lei da educação superior junho/05 institui a EAD como modalidade de ensino criando a possibilidade de incluí-la como um dos instrumentos para atender à “responsabilidade social” das IES – valendo da noção imprecisa dessa variável de avaliação do SINAES – e indica que cursos de graduação, mestrado e doutorado podem ser fornecidos a distância, apregoando, inclusive, a possibilidade de oferta de cursos de pós-graduação estrito senso “profissional” (o que, na prática, admite mestrados sem dissertações e doutorados sem tese); e permite, pela primeira vez, o reconhecimento de diplomas de cursos de pós-graduação estrito senso emitidos por instituição estrangeira, por universidades privadas e, finalmente, propugna a admissibilidade da entrada de capital estrangeiro nas instituições privadas, embora, em um primeiro momento, restrita a 30%.

Está claro, pois, como o MEC pretende ampliar a oferta da educação superior pública de modo a alcançar, em um prazo de dez anos, 40% das vagas nas instituições públicas sem modificar os magros recursos para as IFES: mediante uma derrama de diplomas conferidos pela educação a distância. Perversamente, essa medida irá repercutir em todo o sistema educacional, tendo em vista que 75% das matrículas nessa modalidade são de licenciaturas e cursos de pedagogia. Professores que trabalharão com pobres não necessitam de formação qualificada parece ser o mote mais decantado na última década.

Para avançar nessa ampliação espúria e na abertura do mercado educacional ao capital estrangeiro, o MEC elaborou uma minuta de decreto que consolida essa política. Certamente, o objetivo é antecipar a chamada reforma universitária sem o crivo parlamentar e sem o debate com a comunidade acadêmica. Os dirigentes do MEC evocam reiteradamente um suposto consenso que, entretanto, é estabelecido de modo unilateral, pois não conta com o consentimento dos educadores e suas entidades.

Nos termos da referida minuta de decreto, para entrar no opulento negócio da EAD, a organização terá de obter um credenciamento que será decidido (privativamente!) pelo ministro de Estado da Educação que autorizará os cursos de graduação (sem restrições de áreas!), mestrado e doutorado (Arts. 1º e 4º), atribuindo ao ministro, um poder indevido. Como ficou claro, nesses tempos de “valeriodutos” e “mensalões”, a falta de real democracia cria condições para a predominância de objetivos particularistas frente ao público. A previsão da existência de “Referenciais de Qualidade para Educação a Distância”, também estabelecida pelo MEC (Art.3º, III; Art. 7º, § 2º), não altera o caráter opaco da medida. No caso das universidades, a oferta terá de ser tão somente comunicada ao MEC (Art.15), e o estabelecimento do número de vagas poderá ser definido pela instituição (Art.18 § 2º). Considerando a liberalidade das condições para o credenciamento de IES em universidades, o que pode ser comprovado pelo fato de que a grande maioria nem sequer possui pós-graduação e pesquisa (situação pouquíssimo alterada na última versão do anteprojeto de lei da educação superior), é previsível que essas instituições ampliarão enormemente a oferta de EAD sem controle público.

A avaliação do estudante, embora presencial, fica a cargo da instituição credenciada pelo ministro de Estado da Educação (Art. 21). A racionalidade do negócio empresarial certamente pesará na definição do rigor atribuído aos exames e, como é sabido, não será com o ENADE que a avaliação assumirá feição acadêmica.

Para compreender a oferta de mestrado e doutorado a distância, é importante associar o conteúdo da minuta do decreto em exame ao anteprojeto de lei da educação superior já referido. A minuta de decreto (Art. 23) omite a questão dos cursos de mestrado e doutorado de cunho profissional (previsto no anteprojeto), remetendo a regulação à Câmara de Educação Superior do CNE, que já está promovendo uma derrama de diplomas conferidos pela educação a distância. A referência a um parecer exarado pela CAPES aumenta ainda mais a preocupação, tendo em vista o último Plano Nacional de Pós-Graduação, que prevê esses cursos “profissionais” e orienta boa parte das bolsas para atividades associadas ao mercado.

A revalidação de diplomas obtidos em instituições estrangeiras será feita por universidade pública ou privada, tal como previsto no anteprojeto. Aqui temos o acolhimento pelo governo de Lula da Silva da questão fulcral contida na reclamação dos EUA na OMC: a liberalização do comércio transfronteiriço de educação.

É necessário destacar ainda dois pontos não desenvolvidos nesta nota: a oferta de EAD na educação básica e profissional e a complementaridade da formação presencial e a distância. Desse modo, todo o já débil sistema nacional de educação estará subordinado aos cyber-rentistas. Cabe frisar que as medidas governamentais não objetivam difundir meios tecnológicos para melhorar a formação continuada e a infra-estrutura acadêmica da educação, mas, antes, operam as condições de comercialização de diplomas, convertendo estes em uma mercadoria qualquer.

Com essas medidas – universidade aberta, anteprojeto e decreto – o Governo Federal coloca o Brasil no circuito da mercantilização da educação sem salvaguardas relevantes. Recentemente, centenas de dirigentes-empresários de universidades que oferecem EAD reuniram-se na Espanha para discutir o mercado latino-americano de educação. Certamente, os empresários estão comemorando; os educadores, ao contrário, organizam a luta que ganhará a densidade necessária para reverter essa ofensiva do mercado contra a educação pública e gratuita.

Brasília, 27 de setembro de 2005

Diretoria do ANDES-SN

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